As feridas do Feminino

24/04/2011 17:58

 

                                        As feridas do feminino.

 

 

           Muito temos a nos vangloriarmos nas longas lutas travadas contra o patriarcado violento e soberano na historia da humanidade, por’em ao nos depararmos com os direitos e tabus que conseguimos adquirir e romper devemos avaliar porque a mulher hoje, ainda não pode ter para si a sua integridade. Física, psíquica e espiritual, o que realmente nos falta para que possamos dizer que o movimento feminista foi um marco feliz na vida da mulher. Porque não conseguimos ter funções equivalentes ao homem sem estarmos sobrecarregadas e de um certo modo exercendo vários papeis que se pararmos para avaliar nos coloca quase que estado de exaustão profunda. E comum observamos no nosso cotidiano e na minha pratica clinica ou vivencia, que hoje as mulheres acabam sendo competentes profissionalmente, esposas presentes, mães super responsáveis e donas de casa muitas vezes exemplares, mas que de algum modo deixaram o seu autoconhecimento, sua vida quase que entregue a esses afazeres.

          O vazio muitas vezes analisado em consultórios psicológicos, médicos ‘e enorme. Mulheres muitas bem sucedidas, mas que sequer percebem a si mesmas e como se tivéssemos que provar algo que nem mesmo as mulheres sabem muito bem o que. Doenças cardiovasculares no universo feminino aumentaram estatisticamente nessas ultimas décadas, disfunções sexuais, assim como outras moléstias tipicamente e mais freqüentes nos homens surgem como que para nos igualar aos homens. Para que e porque acabamos desenvolvendo um comportamento que ao longo dessas ultimas décadas tem sido massacrante para nos mulheres. Nesse momento percebo que sem ser leviana, seria interessante que voltássemos um pouco na historia da mulher em busca de uma maior compreensão desses fenômenos que começam a chamar nossa atenção após anos de luta e de tentativas femininas de se auto afirmar em uma sociedade ainda carregada de preconceitos e dificuldades para uma imensa população feminina.

          A principio éramos Deusas, detentoras do poder de procriar. Deusas da agricultura como símbolo maior da fecundidade, gerávamos filhos dos Deuses já que o homem desconhecia sua participação no processo de fecundação, caçavam, pescavam e a organização das comunidades e sociedades existentes parecia ser igualitária quanto à distribuição de trabalho e funções nessas sociedades tribais.

          Para Riane Eisler ( 1987), em “O Cálice e a Espada: Nossa historia nosso futuro” esse período foi denominado de Matriarcal, o que ela discorda por que traz a mesma condição de poder vista no patriarcado; para esta autora o que poderíamos pensar e que essa sociedade era matrilinear, dado ao sistema igualitário, somente os fatos de dar a vida e que aproximava as mulheres de divindades, porem exerciam tarefas condizentes com a organização igualitária.

          O culto as Deusas se da por ser o símbolo feminino quem propicia e gera a vida e determinando assim a herança cultural e social seguindo o perfil feminino que não corresponde a nível inconsciente a supremacia e a dominação, o que parece corresponder a uma forma masculina como representação simbólica, não quero com isso fazer nenhuma injustiça ao caráter masculino, mas salientar que o modelo objetivo parece ser uma forma de pensamento masculino desde o inicio da vida, e que o feminino por suas representações simbólicas nos remete a um âmbito mais intuitivo e subjetivo. O contato com esse universo sempre foi representado no universo feminino como sendo uma forma da mulher vivenciar o mundo. Vários autores e pesquisadores ao contrario de Freud, falam de uma inveja do útero nesse período e que deram origem a mitos conhecidos universalmente como, por exemplo, em rituais de iniciação “Na casa dos Homens”, ao parto ritual dos homens que iguala simbolicamente o homem e a mulher, isso podemos conhecer desde a Oceania ate rituais encontrados no Brasil em sociedades tribais. Assim e calcado nessa inveja e que se da o fim ao convívio pacifico entre homens e mulheres. Na Europa Antiga surgem então povos bárbaros (Kurgas) que invadem essas sociedades promovendo então dominação, via elaboração de armas (idade do bronze) e promovendo então a supremacia da forca e do poder o que simbolicamente foi associada ao predomínio masculino, sua forca de guerra e destruição promove barbáries e surge a fome e a necessidade de buscar novos territórios, e sucumbem as imagens da guerra e do poder agora denominadas como patriarcal. E o homem quem detem o poder e o utiliza como fator de submissão da mulher. Formam-se clãs e a herança e masculina, a comunidade como modelo social e devastado no sentido que a vitória e o poder 'e quem determina a hierarquia.

          O papel da mulher nesse momento já esta totalmente modificado e acredita-se que foi em algum momento do período neolítico que o homem começou a dominar sua função reprodutora, tendo como conseqüências profundas modificações quanto ao lugar da mulher nessa sociedade, assim os homens passam a ser o detentor dos valores e das transmissões à geração descendente. A mulher passa a ser controlada sexualmente pelos homens e de forma rígida surge à virgindade como conceito físico, passam virgens de seus pais para os seus maridos determinando assim uma hierarquia no poder masculino.

          A partir desse momento pode-se vislumbrar como a vida psíquica feminina se altera e a sua sexualidade, bem como função e papel dela nesse novo esquema social que se impõe, sua dependência torna-se física, econômica e psíquica o que nos aproxima de uma ampliação simbólica das alterações que o pensamento humano sofreu ao longo de sua historia, pois quando o homem começa a dominar a natureza, ele inicia a sua separação dela, vivendo e criando inversamente ao sistema natural. E um período de avanços tecnológicos e mecanização em que a humanidade se descobre capaz de interferir na vida natural. A utilização da coerção e da violência escraviza e submete o homem a uma repressão de suas condições inatas atingindo assim todo uma estrutura de pensamentos em que o feminino e quem sofrer’a imensas transformações, pois o desejo masculino e dominante em todas as áreas e o feminino será de carência e submissão. Assim podemos entender o que Freud o pai da Psicanálise descreve como a Inveja do Pênis através de seus estudos no final do séc. XIX e inicio do séc. XX, contrapondo assim a teorias da inveja do útero, o que alguns estudiosos sustentaram.

          Seria ingenuidade de nossa parte se não acreditássemos numa resistência silenciosa do feminino e assim no fim do séc. XIV at’e meados do Séc. XVIII acontece um fenômeno generalizado na Europa que e a repressão sistemática do feminino, sua espiritualidade, intuição, percepção, em suma toda a “sensibilidade feminina” sofre uma perseguição o que conhecemos hoje grosseiramente e de forma superficial como a Caca as Bruxas, onde parteiras e curandeiras ameaçavam o universo masculino, pois a medicina e o conhecimento, a intelectualidade e supremacia eram do sexo masculino. Quando coloquei como uma resistência silenciosa busquei a ênfase do conhecimento transmitido de forma verbal e de atributos da pratica e do poder feminino como subsistência do mundo feminino estritamente através da cumplicidade e troca entre as mulheres, afinal são elas as detentoras do conhecimento de dar a luz à vida. Assim ao longo da historia da humanidade a mulher sofre profundas modificações no seu universo existencial e durante a inquisição e a revolução industrial, dois momentos marcantes e representativos na vida da mulher fica mais evidente a tentativa de “exterminar” a possibilidade de resistência feminina ao poder masculino.

          Desta maneira, esse passeio pela historia da mulher na humanidade, embora muito breve nos possibilita entendermos alguns movimentos femininos mais próximos de nossos dias, como, por exemplo, a revolução sexual que ocorreu na década de 60, bem como o feminismo e outros movimentos onde mulheres utilizaram pela primeira vez após longos períodos da historia a possibilidade de controlar sua fertilidade a partir da utilização da pílula anticoncepcional. Queimaram seus sutiãs em praça publica como um símbolo de poder sobre seu próprio corpo, bem como levantaram questões quanto a aborto, trabalho e sua capacidade intelectual buscando assim recuperar sua identidade e liberdade.

          Porem o que gostaria de ressaltar e que nesse longo processo da historia da mulher as feridas parecem latentes e ainda são muito doloridas para nos mulheres. Tentarei delinear uma hipótese de muitas das dores que no universo feminino parecem incuráveis.

Conseguimos mostrar que somos competentes profissionalmente, embora saibamos que lutamos diariamente contra preconceitos e inseguranças quanto aos nossos direitos na área profissional: o da igualdade. Conseguimos mostrar que somos donas de nossos corpos e que podemos determinar se procriaremos ou não, mero modo de gritar ao mundo que temos o direito de escolher, embora o preconceito e muitas vezes o desconhecimento cultural sejam fatores determinantes nessa escolha, ainda esbarramos no preconceito de não termos o direito de determinarmos nossa sexualidade. Assim creio que conseguimos grandes vitórias, afinal a igualdade tem sido um lema quase que silencioso na vida feminina. Porem acredito que a intensidade necessária para obtermos esse “espaço” causou em nos mulheres grandes feridas.

          Ser competente me parece ser algo possível, mas o que chama a nossa atenção e o preço que acabamos pagando por esse momento tão duro para as mulheres. E comum encontrarmos altas executivas em cargos de suma importância na sociedade e ao nos depararmos com suas historias de vida percebemos que muito do seu feminino ficou abandonado em função da necessidade de se equiparar aos homens.

          A mitologia grega tem sido largamente utilizada por varias correntes psicológicas na tentativa de resgatar um panteão primordial das Deusas Gregas que representam partes do feminino. Principalmente autores pos-Junguianos como N. Quall-Cobertt (1987), em seu livro “A Prostituta Sagrada”, onde a autora em sua experiência clinica retoma a questão da sexualidade feminina trazendo a tona o papel da mulher na iniciação sexual masculina e na vida sexual adulta. Retoma a imagem de Afrodite a Deusa Grega do Amor e as sacerdotisas como uma imagem sagrada do feminino, mostrando a exacerbação do estereotipo dessa Deusa como algo vulgar em nossa sociedade, transformando assim a sexualidade feminina em algo profano. A exacerbação de alguns mitos corresponde a uma representação e resignificacao de sua origem, calcadas na necessidade do patriarcado em desqualificar e conseqüentemente banalizar um ato que a principio e um instinto humano. Pensando na mitologia podemos identificar que Atena, outra Deusa Grega, a filha de Zeus, nascida de sua cabeça e uma representação e fortalecimento do racional e dos parâmetros objetivos em detrimento a um lado intuitivo e subjetivo do universo feminino, causando psicopatologias muitas vezes graves por promover a dissociação da vida psíquica da mulher. Para autores que se debruçaram sobre a mitologia à representação do panteão grego ‘e a visão da totalidade do universo humano. Melhor explicando dentro de nos esses mitos correspondem a partes de um todo, tanto no universo masculino como no feminino. O Deus da Guerra, Hermes parece ter forte significado na nossa sociedade, estando de algo modo no nosso universo intrapsiquico, a exacerbação e a hiper valorização de determinados mitos tem custado à humanidade um abandono à integração e totalidade psíquica.

          Assim retomando o universo Feminino e possível buscarmos a compreensão da importância dada a mitos e Deusas contidas no Inconsciente coletivo, termo utilizado por Carl Gustav Jung, em sua teoria Psicológica onde para ele a estrutura psíquica do homem e formada por um Consciente Pessoal e Coletivo, e Inconsciente Pessoal e Coletivo, definindo assim a historia de vida do sujeito tanto quanto o contexto social em que esta inserida, bem como padrões de comportamento inatos também no âmbito pessoal (sua descendência) e coletivo, onde a historia da humanidade esta inscrita em nossos instintos sejam de sobrevivência ou manutenção da vida humana. Para ele buscamos a totalidade e a integração através do Self, termo utilizado e traduzido como o Si-mesmo para o português, o que tem a função reguladora de toda a vida psíquica e uma instancia maior e necessária para o homem, o que ele determina como o processo de individuação, a busca de si-mesmo, objetivo maior da vida psíquica. E ele nos remete a busca e a negociação egoica necessária para nossa sobrevivência como sujeitos, melhor explicando a função egoica e de uma forma didática a compreensão e o contato com o mundo externo de nossas necessidades internas possíveis de expressão na vida.

          Pensando nesse pressuposto devemos avaliar que a integração do feminino se da em suas representações arquetipicas que correspondem a um padrão primordial da vida da mulher. Voltando a mitologia Grega, as sete Deusas Gregas do panteão de Zeus, sendo elas Afrodite, Diana, Atena, Hera, Hestia, Demeter e Perséfone representam em suas características femininas um mundo feminino de polaridades, pois os aspectos dessas deusas falam de amor e ira (Luz e sombra) e representam uma totalidade necessária para a vida psíquica da mulher.

             Resumidamente, Afrodite a Deusa do Amor, Diana e sua valorização dos instintos via sua ligação com natureza e os instintos animais, Hera a esposa possessiva e de um certo modo controladora e vingativa, Hestia e sua intuição, Demeter a mãe e, portanto a Deusa da Fertilidade e sua filha Perséfone a filha devotada e ao mesmo tempo a que se rebela ao poder da mãe, falam de todas de partes de nossa feminilidade. Assim, o que estou nomeando como feridas do feminino e a exacerbação de qualquer uma das características dessas Deusas em detrimento a repressão total de outras. Todas as Deusas apresentam polaridade em suas característica o que de um certo modo nos aproxima desses mitos ao ponderarmos que dentro de nos estas polaridades, bem e mal, estão presentes.

          Assim, ao valorizarmos Deusas como Atena, a filha de Zeus, o racional em ultima instancia abandonamos de um certo modo às outras Deusas, a sedução, a relação no casamento, a intuição e outros sentimentos e pensamentos tão femininos contidos na mulher. O patologizar, ou o “adoecer” nos afasta da integridade da mulher como um todo, causando feridas e perdas ao longo de nossa vida.

          Ganhamos muito na resistência e na intensidade do meados do século XX em gritarmos nosso valor e nossa capacidade, porem acho que chega o momento de entendermos que a forca com que surgiu o movimento feminista e pro-femininos foram necessários num mundo de Zeus e de Hermes, mas que para curamos nossas feridas e nossa exaustão poderíamos começar a questionar o que estamos alimentando enquanto mulheres, perguntarmos a nos mesmo o que desejamos nesse momento: O poder e a Supremacia ou a Parceria como uma possibilidade de convivência entre o feminino e o masculino? Proposta feita por Riane Eisler (1987) na obra citada desta autora.

          Será que as nossas feridas apesar de deixar extensas cicatrizes, não podem estar curadas ao não aderirmos a Hermes, o Deus da Guerra, ou a Zeus e todo o seu poder masculino, ou ainda a Apolo, Deus que hoje nos atira a perfeição corporal e a padrões de beleza física sobre-humanas.

           A simplificação desses mitos gregos com certeza nos remete ao lugar do senso-comum, mas de uma forma didática retoma questões primordiais como a subsistência humana em suas diferenças mais básicas: o fato de sermos diferentes sim, homens e mulheres, o que poderá trazer a tona a nossa feminilidade e assim percebermos as múltiplas funções, ou abandono de algumas a que estamos nos submetendo em prol de uma causa que e em ultima analise existencial, provamos a quem que somos capazes e competentes? Espero ingenuamente que ao dizermos não ao poder masculino, ainda deste modo possamos buscar todas as Deusas em nos. Aproveito para refletir o quanto a nossa intuição, capacidade de usufruir nossa sexualidade de forma sagrada e prazerosa, de nosso cuidado com o nosso mundo feminino sofreram e de certo modo nos causou profundas feridas e que ao nos afastarmos da sacerdotisa do amor, das imagens provedoras do feminino como a tecelã, à provedora da alimentação e por tanto do prazer feminino inscrita em nossa sensibilidade e subjetividade promoveu grandes perdas, e creio que podemos começar a questionar o que queremos recuperar de nosso “ser mulher” e do que podemos nos livrar, pois nos torna muitas vezes um ser estranho a nos mesmas: Mulheres.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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WOOLGER, Roger e BARKER, Jennife

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